Audiência debate necessidade da prescrição médica legível como direito do cidadão
A maior parte dos medicamentos consumidos em todo o mundo é prescrita e usada de forma inadequada, o que resulta na morte de inúmeros pacientes. O problema foi discutido na tarde desta quarta-feira (20) durante a audiência pública “Defesa da Prescrição Médica Legível: um Direito do Paciente, um Dever do Profissional de Saúde”. O evento, realizado no plenarinho da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS), foi proposto pelo deputado Paulo Corrêa (PSDB), autor da Lei 6.098/2023, que institui o Dia Estadual em Defesa da Prescrição Legível, comemorado, anualmente, em 20 de setembro.
No Brasil, a legibilidade da receita médica é obrigatória desde 1973, por meio da Lei Federal 5.991, que dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos. Outras normativas reforçam essa obrigatoriedade. Apesar dessa determinação legal e mesmo sendo uma infração, a emissão de receitas com caligrafias ilegíveis ainda é frequente, conforme discutido durante a audiência. A persistência do problema, apesar da legislação, justificou a instituição do Dia Estadual em Defesa da Prescrição Legível, para que sejam realizadas ações educativas e de conscientização, como a promovida pela Casa de Leis nesta quarta-feira.
“Quando se aprova uma lei, parece que está tudo resolvido, mas não é bem assim”, considerou o deputado Paulo Corrêa. “Há lei federal que obriga a emissão de receitas legíveis, mas ainda tem uma resistência muito grande. E prescrever uma receita legível é a coisa mais simples do mundo! Se a gente quer um Estado moderno, tecnológico, qual o problema de fazer uma receita legível?”, questionou o parlamentar. Quanto à lei de sua autoria, o deputado explicou que o objetivo é dar mais visibilidade à lei federal em Mato Grosso do Sul. “É um dia importante para que haja maior conscientização dos profissionais da área médica”, pontuou.
Para discutir o problema, a audiência reuniu diversos profissionais da Saúde, representantes do poder público e de entidades públicas e privadas. A mesa de autoridades, além do deputado Paulo Corrêa, foi composta pela promotora de Justiça, Daniela Cristina Guiotti, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Defesa da Saúde; o defensor público Nilton Marcelo de Camargo, titular da 4ª Defensoria Pública de Atenção à Saúde; o médico João Ricardo Tognini, assessor técnico da Secretaria de Saúde; e pelo chefe da Divisão de Medicina da Secretaria de Saúde Pública de Campo Grande, Thiago Maksoud.
Durante a audiência, foram realizadas duas palestras, intituladas “Práticas Seguras na Prescrição de Medicamentos e Prescrição Legível: Soluções e estratégias tecnológicas disponíveis” e “Prescrição na Atenção Básica: Prontuário eletrônico do cidadão”, proferidas, respectivamente, pelo farmacêutico Adam Macedo Adami, assessor técnico do Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul (CRF/MS), e por Bruno Augusto Gonçalves dos Reis, gerente técnico da Atenção Primária à Saúde (APS), da Secretaria de Estado de Saúde.
Mais da metade dos medicamentos têm prescrições ilegíveis e outros erros
“Mais de 50% dos medicamentos são prescritos, dispensados ou utilizados de forma inadequada”, iniciou o farmacêutico Adam Macedo Adami. “Esse dado, da OMS [Organização Mundial da Saúde], permanece atual”, frisou. O técnico da CRF/MS também ressaltou que a OMS recomenda aos países que estabeleçam normas para a promoção da saúde, o abastecimento de medicamentos, os produtos para a saúde, o autocuidado do paciente e o aprimoramento da prescrição e do uso dos medicamentos.
A caligrafia ilegível mata – e muito. Apenas nos Estados Unidos, morrem mais de 7 mil pessoas por ano por erros médicos que poderiam ser evitados, conforme pesquisa do National Academies of Science’s Institute of Medicine, mencionada por Adami. “Muitos desses erros resultam de abreviações e de dosagem mal escritas ou da escrita ilegível”, acrescentou.
O problema, recorrente em todo o mundo, poderia ser minimizado se fossem seguidas, com rigor, normativas diversas, como as que existem no Brasil. Adami citou o Decreto 20.931/1932, que trata sobre o exercício da Medicina. No artigo 15 dessa norma, é previsto, entre os deveres do médico, o de “escrever as receitas por extenso, legivelmente, em vernáculo, neIas indicando o uso interno ou externo dos medicamentos, o nome e a residência do doente, bem como a própria residência ou consultório”.
Adami também mencionou a Portaria SVS/MS 344/1998, que regulamenta medicamentos entorpecentes e psicotrópicos. O documento afirma, no capítulo que trata sobre notificação de receita, que “somente podem ser aviados medicamentos e/ou formulações farmacêuticas quando todos os itens da receita e da respectiva Notificação de Receita estiverem legíveis, sem emendas ou rasuras e devidamente preenchidos”.
Diversas campanhas de informação e diferentes mecanismos tecnológicos existem para auxiliar o profissional de Saúde no aviamento de receita ou de prontuário, conforme disse Adami. Durante a audiência, ele detalhou algumas dessas iniciativas.
Sistema do Ministério da Saúde contribui para redução do problema
Na segunda palestra, o gerente técnico da Atenção Primária à Saúde (APS), Bruno Reis, mostrou que há luz no fim do túnel. Ele falou sobre o “e-SUS APS”, sistema que visa organizar as informações da Atenção Primária à Saúde em nível nacional. Na implementação do sistema, são disponibilizados recursos aos municípios, o que pode contribuir para o avanço no cumprimento da obrigatoriedade da prescrição médica legível.
“Falar sobre a prescrição legível, envolve muitas questões, sobretudo a parte financeira dos municípios”, disse Bruno Reis. Ele acrescentou que o e-SUS APS,sistema financiado pelo Ministério da Saúde, ajuda nesse aspecto. “É disponibilizado gratuitamente aos municípios, que fazem o download do sistema e o colocam em execução”,resumiu.
De acordo com o gerente, o investimento do Ministério da Saúde na transferência de recursos relativa a esse sistema supera os R$ 2 milhões por ano. Esse valor diz respeito apenas ao uso da ferramenta. “Cada município recebe em torno de R$ 1.730 por equipe da Saúde da Família. Esse dinheiro pode ser usado, por exemplo, para aquisição de equipamentos ou qualificação dos profissionais”, detalhou. Em Mato Grosso do Sul, 70% dos municípios já aderiram ao sistema. A meta é de abrangência total já no próximo ano.